Não faz muito tempo que escrevi um texto no Nexo Jornal, de São Paulo, sobre cinema e as circulações dos nossos filmes nos festivais de cinema dentro e fora do Brasil. Nos festivais e também em diversos outros espaços que fomos capazes de inventar para beber cerveja, ouvir poesia, encontrar o nosso pessoal e ver filmes. Existiu um período no nosso país em que as exceções passaram a serem vistas como protagonistas das políticas públicas em diversos setores, principalmente no campo cultural. Daria um belo filme imaginar que na mesma época em que chegava a internet (discada) no bairro da Vila Iguaçuana, em Nova Iguaçu, também se inaugurava a Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu em um bairro próximo abençoado pelo terreiro da Mãe Beata de Iemanjá, em Miguel Couto.
Foi aquele prédio vermelho com rodas de bicicleta na fachada que me salvou. Papo reto, sem sentido católico apostólico romano: essa escola me salvou. Foi na ELC que entendi que eu poderia subverter o que me levava para um só caminho, a de ser empregada doméstica ou, no máximo, gerente de supermercado do meu bairro, profissão essas que marcaram gerações e gerações de mulheres negras que me antecederam. Aqui, todo o meu respeito e admiração por essas guerreiras que desempenham essas profissões, mas chamo atenção para a problemática de ter apenas esse caminho como possibilidade quando deveria ser comum vislumbrar esses e outros caminhos também. E foi isso que a Escola me trouxe: essa loucura de disputar narrativa e criar outros imaginários com essa ferramenta poderosa que é o cinema e o audiovisual em geral.
Eu nunca tinha ido ao centro da cidade do Rio de Janeiro, mas já tinha cruzado continentes nas aulas de roteiro com o Raul Fernando. Foi na ELC que vi uma possibilidade existir dentro das minhas vontades criativas, abriu não só um novo espaço que devolveu o direito de sonhar, mas transformou meu olhar sobre a cidade de Nova Iguaçu, a mim, como pessoa, e me apresentou o céu como limite.
Essa Escola, por questões financeiras, fechou, no ano passado, as portas para centenas de estudantes e futuros cineastas. Um ato como esse deveria ser tratado como inconstitucional. Apesar disso, para mim, a Escola e a situação em que ela se encontra, é como uma passagem dita pelo músico e compositor baiano, Mateus Aleluia, numa entrevista para a Rádio Roquete Pinto no início desse ano: “a razão vai se impor, acredite. A razão vai se impor. De vez em quando a raiz se cansa de ficar somente na terra. Ela sai e vem cobrar o seu tributo. Então as pessoas têm que acreditar que a raiz é que dá o caule, o caule é que dá os galhos e os galhos é que dão as folhas e daí vem os frutos e depois os frutos amadurecem, caem. E de dentro do fruto caído apodrece e saem aquelas sementes ali dentro, é absorvida por toda aquela terra porque a chuva vem e cria aquela lama, vem a amálgama da vida traduzida naquela terra toda misturada. E daquelas sementinhas nascem novas árvores porque daquelas sementinhas todas brotam novas raízes, de maneira que ninguém vai conseguir parar o que a natureza terminou porque a natureza tem leis. O homem é que tem moral e designações. “
Yasmin Thayná
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