Um filmaço, que no fim das contas, não tem nada de novo
Tenho os meus pés atrás com os filmes de guerra. Já acho que vai ser propaganda bélica colonialista barata. Fora que já estamos de tal maneira cercado de arma e violência por todos os lados, já é tanto fetiche por essa porra, que acho melhor não ver. Não me dá tesão. Mas não teve como não encarar Nada de Novo no Front, nova produção da Netflix, baseada no romance homônimo de Erich Maria Remarque. Livro que marcou minha juventude, minha formação. Um libelo pacifista poderoso, que me levou para dentro do front, aquele horror, imagens que nunca saíram do meu coração. Estava ansioso para ver esse filme – com medo também.
Nada de Novo no Front começa contando a história de um uniforme; ele veste um soldado alemão morto em um dos fronts da primeira guerra mundial. O uniforme é retirado do corpo, transportado em carroça, carro e trem, lavado junto com outras centenas de uniformes; depois seus buracos de bala são costurados a mão e então, finalmente, o uniforme do soldado morto é entregue para o jovem recruta Paul Baumer, o protagonista da história. Que sorri bobamente enquanto é levado para o matadouro que é o front.No mesmo dia esse mesmo rosto estará em desespero.
É uma pequena sequência, que não deve durar dez minutos, mas a produção alemã já diz a que veio. Vai investigar desde a estrutura genocida da guerra à vida do recruta no front. A aposta no ponto de vista distante, crítico e político da guerra, é o que tem de melhor nessa adaptação do diretor Edward Berger. Pena que no plano detalhe, na vida no front, na intimidade dos generais, a direção não se dá tão bem.
Essa nova versão de “Nada de novo no front” é pretensiosa e isso é bom. Seu ritmo é vertiginoso, vigoroso, Tem uma trilha sonora imprevisível, que tem pouco mais de três notas nervosas que nos deixa à flor da pele e vulneráveis, parece que vamos ser esmagados a qualquer momento; uma direção de arte requintada (nem tanto na maquiagem), responsável e detalhista; uma fotografia épica, fria e sem cor. A montagem consegue alternar a atmosfera sensível, aos momentos brutais, com muito talento, (talvez a melhor coisa do filme). Há muito cuidado e suor em cada fotograma da obra. É feito com tanto apuro técnico, que acabaram por esquecer de investir na alma do filme? Para mim, a fragilidade está no desenvolvimento dos personagens e na direção dos atores. Acabou que por pouco esse filme não fica o arraso que poderia ser.
Faltou ao filme a capacidade de nos colocar no lugar dos personagens. De nos provocar uma empatia visceral com os personagens. Era o que a obra pedia, porque íamos do plano geral ao detalhe, da máquina estúpida que é a guerra à toda humanidade que há na amizade dos recrutas. Eu simplesmente, em muitos momentos, não acreditei que os personagens eram de carne e osso. Não me envolvi com seus dramas. Talvez o problema esteja no roteiro, apresentando muitos personagens, deixando a coisa um pouco confusa. Talvez da direção, que pode ter se dedicado mais à luz e à arte, do que ao elenco. Não sei dizer. Só sei que faltou tempero nesse angu.
Principalmente a camada que conta a história do armistício. No filme não só acompanhamos os soldados no front, mas também os generais e políticos que tem a caneta para acabar com toda aquela desgraça. Achei meio caricatos e vilanescos, ponto fraco do filme. Até o bom do Daniel Brühl tá meio apagadão.
Mas é isso, o filme não é perfeito, tem suas fragilidades, mas há momentos de grande força, do ritmo implacável da guerra, ao sublime do humano. O terço final, então, é ótimo. E por felicidade, Nada de Novo no Front, manteve vivo o teor crítico à guerra que havia no romance de 1929. Apesar de seus defeitos e de no fim, não ser nada de novo, o filme é muito acima da média do que você encontra normalmente no catálogo da Netflix. Um filmaço!
[ Igor Barradas ]
Igor Barradas é cineasta, educador audiovisual e pesquisador. Integra o cineclube Mate Com Angu, o Gomeia Galpão Criativo e a Circular Filmes.