Não dá pra soltar pipa sozinho e se tem uma imagem que é triste é o tal soltar pipa no ventilador… Isso porque ela é potente metáfora pra sentimentos muito intensos que habitam o coração humano desde muito tempo. A graça da pipa é que ela é uma brincadeira coletiva, de bonde, e ainda sim preservando uma importante sensação de individualidade na condução da linha, no dibicar. Igualzinho ao Cinema que a gente acredita. E juntando gente nova e gente mais velha, menino e menina – incluindo sempre.
Tudo bem que hoje quase ninguém faz mais sua própria pipa – compra-se pronta – mas ainda há um quê de artesanato nela também. Igualzinho ao Cinema que a gente acredita.
A pipa precisa da natureza pra exercer sua afirmação – no ar ela tem o seu próprio jeito de seguir o desenho do ar; e precisa da cultura, do conhecimento partilhado. O vento e o encontro.
A pipa precisa da deriva, um certo espaço pra imprecisão, aquele necessário toque de descontrole que talvez seja a função da arte, mas que certamente faz bem como recado de que a Vida não é apenas a razão mecanicista. Eita.
Mas o mais revelador do ato de soltar pipa é lembrança do sentimento de liberdade que está em todos nós e está na busca por um Cinema livre e libertador – mesmo quando não se tem essa ideia conscientemente. Fazer um filme, fazer uma sessão cineclubista, viver prazerosamente, tem muito a ver com chamar os amigos pra curtir uma pipa, sentir o vento na cara, rir solto, esgarçar o tempo, esse tempo em que a Máquina capitalista insiste em nos cobrar como fatura.
E assim o Mate Com Angu, o cerol fininho da Baixada, chega aos 10 anos de aventuras. Hoje a linha chinesa domina o mercado, mas os carretéis comprados nos armarinhos da vida eram o dezão e o dezinho… 10. Dez soltando pipa, fazendo amigos e provocando muito.
E é bom que vendo nossa cidade hoje dá pra sentir em todos os cantos surgirem novos ares frescos, desafiando a aridez de uma terra marcada pela violência do coronelismo, da corrupção e da auto-estima massacrada por décadas. E isso é alentador também.
Que o Audiovisual siga ajudando esse processo de libertação na Baixada Fluminense e em todos os cantos de todo esse país imenso e desigual. A cabeça tem que ser uma pipa que avoa!
E hoje é dia de festa. Inspire-se na pipa e dance livre pelo céu, mesmo que o seu cabresto insista em lhe conduzir… Vale lembrar que cruzar é uma possibilidade sempre bacana e toda pipa avoada tem sempre o risco de ser aparada – e quem sabe essa não pode ser uma boa pra hoje, hein? 😉
Cineclubismo na veia, desde 2002 agitando o imaginário de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, mundo. Produção Cultural autônoma, guerrilha estética urbana, TAZ.