[ texto encomendado para o Jornal Extra e publicado na edição desse dia 09/04/13. Aqui abaixo a versão na íntegra 😉 ]
Cineclubes da Baixada, Uni-vos!
Com vinte e poucos anos, sem nada pra fazer graças à minha capacidade poética de convencer minha mãe de que meu futuro seria grandioso como artista, gastava tempo dormindo, subindo o Morro da Caixa D’água para admirar o visual ou gastando onda no msn nas madrugas com pensadores navegantes de uma internet que acabava de chegar aos lares da Baixada. E esses papos também reverberavam pelos eventos culturais artesanais que vibravam no tocar dos violões e vozes cantando musicas autorais, histórias da tribo, cantos sagrados, terra de encantados.
E vivendo a juventude, víamos a onda digital se agigantando, caraca, agora podemos fazer um filme com essas câmeras digitais. Sabíamos que a cada dia seria mais barato jogar uma ideia na tela. Uma história íntima, próxima, poder se ver! Até então pra se fazer cinema era preciso ser rico ou sortudo e talentoso. Era uma quebra de paradigma tão grande, emanava uma onda tão boa, que sabíamos que estávamos vivendo os melhores anos de nossas vidas. Pura magia, como um filme do Truffaut ao som de Cartola. Era o início do milênio…
E pensando que não eramos os únicos a estar percebendo o momento, os únicos a ter sede louca de produzir imagens, não eramos os únicos a sacar que agora, mais do que nunca, a ideia ia imperar. Uma menina no interior do Mato Grosso ia fazer um filme em Hi-8 e arrombar os salões dos festivais mais importantes do mundo. Uma câmera na mão, uma idéia na cabeça, bradávamos bêbados como bandeira nas ruas desérticas de Jardim Primavera.
E sob esse levante decidimos montar um cineclube, o Mate Com Angu. Queríamos juntar gente que quisesse, assim como o Pink e o Cérebro, dominar o mundo. Juntar gente pra fazer coisas juntas, seja fazer amor, um filme, uma banda, um zine, uma peça, qualquer coisa que alimentasse o desejo pela criatividade, pela inquietação, pelo tesão de levantar o astral da Baixada.
Ok, sabíamos que o mundo estava na onda digital, mas não conhecíamos ninguém que estivesse fazendo um cineclube. Neste ponto achávamos que estávamos sendo revolucionários em digitalizar o projetor 16mm. Como éramos bobinhos! Demorou meses e logo surge numa nota em um suplemento especial Baixada o cineclube Videoverso (de Mesquita) . Depois recebi um flyer do Cachaça Cinema Clube (no Odeon, Centro do Rio). Pronto, uma onda cineclubista invadiu o Brasil no primeiro ano Lula, era 2003. Não estávamos sós, e com humildade, percebemos que o cineclubismo é uma malha de afinidades, uma rede cheia de história, cheia de força, que faz 100 anos neste ano de 2013. Fazíamos parte de algo que não conhecíamos. O cineclubismo: ver, pensar e produzir filmes e textos, propor caminhos para o cinema e para o Brasil, de forma coletiva, participativa, colaborativa, horizontal e fraterna.
E tudo isso tem muito a ver com a Baixada. A tecnologia do mutirão, da cervejinha para virar uma laje, casam harmonicamente com o fazer cinematográfico, que também é coletivo. A Baixada é Família, é amizade. E dessa forma ela vem produzindo seus cineclubes. Como não se emocionar com o Cine Poeira, de São João de Meriti, que seguiu firme com suas projeções em 16mm num boteco, exibindo filmes achados no mundo das coisas perdidas; como não bater cabeça com o experimentalismo do Buraco do Getúlio, de Nova Iguaçu, que ao comemorar seu aniversário, faz uma sessão sem filmes, com a banda Sofia Pop tocando alto, fazendo do momento, um filme. Em Mesquita, um professor, um compositor de nome Sérgio Fonseca, levou até pouco tempo o VideoVerso. Lembro somente de seus óculos, rodeado de fitas vhs, nas fotos de jornal. Não cheguei a ir lá, ou conhecer o Sérgio, mas sinto saudades. Com um carro, um projetor, uma caixa de som, o Cine Ataque mexeu com o quotidiano de praças, ruas, bares. Projetavam nos espaços públicos. Iluminando a vida de quem estava ali.
Agora, me expliquem uma coisa, caros leitores, por que estes grupos fazem o que fazem? Não ganham dinheiro com isso e não se candidatam nem a síndico de prédio… Praticar o cineclubismo é um gesto analógico, quase anacrônico. Hoje você não precisa sair de casa pra ver um filme, muitas tvs estão até melhor que os projetores, a internet é um mar infinito de informação. Que filme você quer? Lá estará. Então porque montar uma sessão de filmes com equipamentos precários? Perder tempo dobrando os programas, pensando como converter os arquivos de vídeo, juntando dinheiro pra comprar um projetor melhor? Não há nenhuma lógica. Porquê?
Tenho um palpite. 😉
Por que ver um filme juntinho é mais gostoso. As cidades têm sede de espaços de convivência. As pessoas querem se encontrar, trocar idéias, ver um filme. Coisa simples. Assim como a praça da cidade do interior. Paz. Ser um espaço onde as pessoas possam ser o que elas desejam ser, por algumas horas, criando uma zona poética e fabular, na Baixada cinza-neon com suas tristezas e violências, talvez seja a maior contribuição dos cineclubes à região. Produção de paz e amor em vibração quântica. Faz bem, sem contra-indicação.
Não queria deixar de citar o Cine Mofo (Caxias), o Marapicu (Queimados), o Cine Rock e o Donana (Belford Roxo) e o Cinema de Guerrilha da Baixada (SJM). Grupos que andam atuando com vibração. E a duas experiências fortes no Audiovisual da região nos anos 70/80: O Cineclube Baixada, que exibiu muito filme bom. E a TV Maxambomba, que registrou, de maneira moderna, o olhar do morador da Baixada sobre sua própria região. Dois movimentos bonitos e que nos inspiram até hoje.
Vida longa ao Cineclubismo!!!
Abril é o mês da cultura na Baixada.
Igor Barradas
Igor Barradas é cineasta, educador audiovisual e pesquisador. Integra o cineclube Mate Com Angu, o Gomeia Galpão Criativo e a Circular Filmes.