Filme faz pensar o quanto produção cinematográfica está colonizada por uma estética clipada, da velocidade, dos efeitos
Sinopse: No século 16, quando poderosos líderes de clãs concorriam pelo controle do Japão, um ladrão condenado com uma estranha semelhança com um deles é usado como seu dublê. Quando o líder do clã morre, o ladrão é obrigado a assumir seu lugar.
Filme de mestre é filme de mestre. Uma vez ouvi que cineasta é aquele que cria um universo próprio, que tem a capacidade de imprimir seu estilo no trabalho de maneira indelével. Tipo Fellini, que virou adjetivo, quando vemos algo que nos lembra ele, dizemos que é, “feliniano”. Um filme de Almodóvar é outro, que só ele poderia ter feito. Mais ninguém.
Pena que muitos dos realizadores atuais, mais parecem deslumbrados para o fato de colocarem um filme na tela, do que ter algo realmente a dizer de novo.
Gente, na grande maioria das vezes, a “direção” é apenas “direção”, e “direção e roteiro”, é apenas “direção e roteiro”. Funções centrais da produção? Claro. Mas apenas isso. Para um realizador assinar “um filme de”, é preciso ter algo a mais. Tem que se colocar fora da curva. Se não, das duas uma, ou o cara é puro ego ou é quem assina o cheque. O que no final, dá na mesma.
No caso de Akira Kurosawa, o que temos é a mais pura genialidade. O japonês que mixou em seus filmes as tragédias shakespearianas, com o faroeste americano e as histórias de samurai de sua terra, influenciou fortemente meio mundo, inclusive o cinema americano. O clássico western “7 homens e um destino” é refilmagem de “Os sete Samurais”. E porque você acha que alguns dos costumes em “Stars Wars” lembram as roupas de Samurai? Lucas, Spielberg, Scorsese e cia batiam cabeça legal para o coroa, tanto é, que bancaram “Kagemusha” e um de seus últimos filmes, o maravilhoso “Sonhos” (1990).
Contraditoriamente “Kagemusha – a sombra de um samurai” (1980), nos faz pensar o quanto a produção cinematográfica está colonizada por uma estética clipada, da velocidade, dos efeitos. Todo artifício é usado para você não tirar o olho da tela. Posso estar enganado, mas nesse clássico, em suas três horas de duração, você não verá um close. Planos abertos contam as intrigas dos clãs e as grandes batalhas. Sem afobar os personagens ou apelar para o artifício. E isso não quer dizer que a narrativa seja chata ou arrastada, pelo contrário, ela é afiada, delirante e intrigante. Um deleite só.
Para Kurosawa todo plano é importante. Não tem aquele planinho maroto para cobrir. Lembro de uma vez do Eduardo Coutinho dizendo que para ele documentário que fazia uso de planos de cobertura, mentia. Em Kagemusha não há mentira, cada plano é um quadro impecável, uma pintura a serviço da história. Cada plano é uma espécie de monumento, a montanha não se mexe, mas estamos todos presos em sua gravidade.
Percebo que em vez de avançarmos tecnologicamente no visual de nossos filmes, a gente regrediu. Os filmes de hoje com os seus CGI’s da vida não conseguem a beleza de um plano do Kurosawa. Perto do mestre, a tecnologia mais moderna consegue apenas o efeito de uma xerox desregulada. Infelizmente.
A mais moderna tecnologia nem sempre é a mais atual. Kurosawa é a prova disso.
Fica a dica para a quarentena. Disponível na plataforma: https://www.looke.com.br/
Ou no torrent mais perto de você.
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Igor Barradas faz parte do Cineclube Mate Com Angu
Igor Barradas é cineasta, educador audiovisual e pesquisador. Integra o cineclube Mate Com Angu, o Gomeia Galpão Criativo e a Circular Filmes.