TEXTO DA SESSÃO BAIXADA

Há seis anos que o Mate Com Angu vem martelando uma frase muito reveladora: a Baixada Fluminense é cinematográfica por excelência. No sentido mais amplo da expressão esse vasto pedaço de terra traz todo um caldo de cultura enriquecido à base de ferro e fogo que provoca um impressionante efeito mítico-estético-audiovisual.

Como uma espécie de 3×4 do país, a Baixada revela o Brasil em miniatura. Uma enorme riqueza natural, um povo formado por gente de vários cantos do país e do mundo, uma riqueza econômica morando ao lado da miséria material, uma elite que ganha dinheiro aqui e mora fora, umas das maiores concentrações de renda do país. E uma criatividade que é meio inexplicável sem recorrer a alguma dessas teorias loucas como a Estética da Fome, do Glauber. A beleza vertendo da adversidade.

Uma terra surpreendente.

A capoeira mais famosa do mundo é a de Caxias e a Baixada tem mais terreiros do que a Bahia toda. E a política sempre foi acompanhada de perto pelo uso da pólvora, faroestes caboclos à vera. Desde o tempo de Tenório Cavalcanti e Getúlio de Moura, quando curiosamente o trabalhismo e o Partido Comunista sempre foram fortes e onde depois o brizolismo pós-ditadura cresceu como fermento nas massas. Aliás, fermento nas massas lembra as CEBs na Teologia da Libertação, que aqui foram referência no país. E dá-lhe Dom Adriano Hipólito. E Joãozinho da Goméia. E Solano Trindade, que viveu um bom tempo aqui. E Sylvio Monteiro. E Armanda Álvaro Alberto e a impressionante histó- ria da Escola Regional de Meriti. Ufa.

E as histórias apagadas aos poucos estão vindo à tona. A incrível história do samba; só perguntar a quem sabe. Nei Lopes e Bezerra da Silva conhecem onde a coruja dorme, e deve ser ali por Mesquita. Sem falar do Donana semeando um reggae brasileiro no ouvido do país, direto de Belford Roxo, cidade que foi “eleita” em 1990 a mais violenta do mundo…

Da época dos laranjais aos lotes, a Baixada sempre foi Cinema, mesmo sem ser filmada, e sempre foi Música, mesmo quando não gravada.

Vida que segue. E o trem como serpentes de aço devorando as vidas espremidas em seu interior.

Miscigenação, fé, desolação. Esse povo da Baixada… Como dizia o funk clássico: Baixada cruel, os sinistros são de Bel.

Mesmo com suas singularidades, há uma certa identidade que permeia a Baixada e que tem a ver com a construção da cultura, com a presença do trem e suas estações, com o jeito ponta de faca com que se cresce aqui.

Há um atavismo e ao mesmo tempo um diálogo com a contemporaneidade que vai além das teorias sem sangue nas veias. É o imaginário periférico provocando mentes, colocando tradição e modernidade pra sambarem juntas e misturadas. Como o bolo doido criativo e suingado presente na obra do rapper João Xavi, cria internacional de São João de Meriti. Como se houvesse uma malandragem específica, nascida da vivência com a crueza e com um certo nonsense ao encarar a vida nas cidades a partir de vários pontos de vista, que não só o da Zona Sul carioca. Uma certa humanidade mediadora, talvez.

E o trem, a poeira, as matas, os ônibus apinhados, as igrejas, as cachoeiras, os morros, as cenas, as imagens de força e desilusão — ou um deleite para direção de fotografia?

[Setembro de 2008]

sessão baixada

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